Hoje vou falar de um pouco do que vi nestes 34 anos de kart, a “parte ruim” do esporte a motor.
Vou usar poucas fotos porque as imagens não são boas, apenas vou contar um pouco das experiências negativas, para que elas nos sirvam de lição, acima de tudo.
Ouça a edição 63 do podcast KartBuzz, sobre o mesmo tema: Segurança no kart.
Disputa pelo campeonato Paranaense de F-180 em Pinhais, Shopping Carrefour (1985)
Dois pilotos lutando pelo campeonato, José Zattar Jr. e Marcos A. Pauli, final de reta a mais de 140 Km/h quando infelizmente os dois se enroscaram.
Apesar das carenagens de proteção, as rodas tocaram e o piloto Zattar decolou nas pequenas zebras laterais de cimento que delimitavam a pista.
No acidente, Luiz Gonzaga Ramos acabou indo para o Hospital com fratura na clavícula e desacordado como mostra o jornal de época.
Limitadores de pista desproporcionais que ajudaram na decolagem que feriu três espectadores na prova.
Eu estava do outro lado da pista, nunca tinha visto nada parecido, vi apenas algo rodopiando acima das cabeças e atingindo os espectadores.
Fórmula 180 – Vila Velha, 1988
Trabalhando com karts desde garoto, fomos a Vila Velha, a pista não existe mais, para uma prova do Paranaense de kart daquele ano.
Como equipe meu pai, meu irmão mais velho e eu, o famoso assistente que faz de tudo.
Karts alinhados para largada, meu irmão disse-me o seguinte:
– Marcelo, vai lá para a descida e fica de olho nos nossos pilotos (Tony Garcia, Nenê Garcia e Marcio Libretti).
Caso algum rode, entre na pista e empurre, mas cuidado com os karts que podem vir na reta.
Bem, a pista usada para os karts 180 eram o semi oval com um “esse” no final da reta (menos de 30 segundos a volta). Os karts naquele traçado, atingiam perto dos 140 km/h.
Desci e fiquei lá aguardando, quando escutei a largada (não vi, a pista tinha 2 planos e eu estava na parte baixa).
Em poucos segundos, passa o pelotão na minha frente e poucos segundo depois, passam novamente.
Escuto um estouro e fica tudo em silêncio…passam os karts novamente, mas lentos e logo não escuto mais nada.
Aguardo alguns minutos na parte baixa da pista e nada de largarem novamente, quando decido então subir o morro e ir em direção à largada.
Quando começo a enxergar a largada, vejo uma ambulância saindo as pressas e o kart do Marcio Libretti (meu piloto) destruído ao lado de uma Palmeira bem no meio da reta. Comecei a notar meu pai preocupado e quando chego perto, falaram-me o que aconteceu:
Meu irmão, na largada, havia ficado escondido atrás daquela Palmeira bem na linha de chegada. Na segunda volta, o Marcio estava em disputa de posição quando tocou outro kart e perdeu o controle. Neste momento, o kart rabeou e atingiu a Palmeira com a roda traseira esquerda, chicoteando e pegando meu irmão atrás dela.
Palmeira do acidente, a da esquerda. Foi nela que meu irmão se escondeu e mesmo assim, foi atingido pelo kart da própria equipe.
Acredite ou não, ali era o lugar mais seguro que um mecânico poderia estar, mas quis o destino que o kart o pegasse atrás da árvore.
Resultado: Cirurgia (na época era assim), pino e um tempão de molho sem poder fazer nada, apenas agradecer o “pequeno prejuízo” que por sinal, até hoje dói nos dias de frio!!!
Coisas mais sérias aconteceram em corridas de rua, vou assustar vocês leitores com as três piores histórias que eu já vivenciei.
Acidente em Camboriú, pista de rua, Fórmula 200
Fevereiro de 1995, Campeonato Sul Brasileiro da categoria, lá fomos eu e meu pai Danilo Afornali, para atender o piloto Pompeo Caliceti na abertura do campeonato do referido ano.
Treinos, tomada de tempo, pole garantida e deu-se a largada.
Uma multidão contornava a pista mas lá de vez em quando, via-se atravessando a rua sem nem ao menos olhar para os lados um “suicida”.
Eu já mais experiente, fique “mocado” num poste (mas não atrás, chega meu irmão que se lascou) sinalizando nosso piloto quando repentinamente do outro lado da reta, um piloto acabou coletando um destes transeuntes.
Naquela correria toda não houve tempo para sinalização e neste momento, os dois líderes, Pompeo Caliceti e Claudio Simão surgem na reta em 6° marcha com o pé no fundo, ambos dando de cara com um médico do Siate que atravessava a pista para atender o incidente do outro lado da rua.
Eu havia saído de trás do postinho para sinalizar nosso piloto e vi que o Pompeo “catou de cheio” o rapaz do Siate, perdendo o controle do kart e vindo em minha direção.
Não tive para onde correr, apenas dei um pulinho para trás e ele passou que nem uma bala na minha frente, acertando levemente, mas muito de leve mesmo minhas pernas com a lateral do kart.
Quando olhei, vi o médico do Siate no chão e com as canelas todas fraturadas e ossos expostos berrando de dor.
Aquilo marcou profundamente!!!!
Do outro lado o Pompeo, virado na contramão e com a cabeça caída para o lado, desmaiado.
Acidente duplo naquele fim de semana, com o Pompeo foi só o susto mesmo. Coitadinho do médico do Siate, a coisa foi feia e demorou um tempão para ele voltar a caminhar normalmente, dito por outro amigo que também andava de kart.
Início da fatídica reta onde aconteceu o acidente que vitimou o médico do Siate. Com o kart 17, Pompeo Caliceti e com o kart 5, Claudio Simão.
Acidente em Curitiba, corrida de rua, circuito Champagnat – 1995
Uma tragédia anunciada, corrida de rua com postes sem proteção e com karts chegando a quase 170 Km/h de final de reta.
Bem, atendendo naquela época o meu piloto, Robson Ferraz, estávamos disputando diretamente o Sul Brasileiro de F-200. Andando também, Pompeo Caliceti, Dalton Silva e outros grandes pilotos da época.
A categoria bombava nas ruas com um público superior a 20 mil pessoas, então a próxima etapa era o circuito do Champagnat, misto de rua e canaleta do ônibus expresso.
O circuito realmente era um show, rápido, subidas, descidas, um “esse” de final de reta que contornava-se beirando os 140 por hora, realmente muito técnico e rápido.
Mas…porém…com alguns pilotos estreantes que inclusive nos trouxeram seus motores antes da prova para preparação e revisão. Estes dois pilotos que agora o nome não me vem à memória eram gente boníssima.
Na pista, um deles era muito, mas muito rápido. O motor era um Yamaha DT-200 e ele andava muito bem para um estreante.
Na corrida este garoto vinha garimpando posições, andando em alguns momentos da prova (45 minutos) entre os seis primeiros (grid de 20 karts), quando escapou numa curva de esquina e bateu de frente num poste de concreto, um daqueles que segura transformador, ou seja, bem reforçado mesmo.
Eu não vi o acidente e agradeço por isto, pois quando você vê algo deste tipo marca muito no trabalho e no amor que temos pelo esporte.
Depois do ocorrido e depois da ambulância sair da pista, vi apenas o kart e dou aqui uma descrição:
Um kart carenado, reforçado e com diversas proteções, em que a frente encolheu pelo menos 70 centímetros, chegando os pedais à região próxima a coluna de direção.
Nosso amigo e cliente demorou muito tempo para se restabelecer, dito por conhecidos, nunca mais correu de kart.
Itajaí, 1995, circuito de rua
Novembro de 1995, fechamento do Campeonato Sul Brasileiro de F-200. Atendia então o piloto Robson Ferraz, ano em que levantamos o Vice-Campeonato da categoria.
Já decidido em favor do piloto Dalton Silva, fomos para Itajaí para “bater ponto” e trazer uma boa colocação, sendo que de nada mudaria o resultado uma colocação boa ou ruim.
Itajaí era outra pista veloz, atingindo cerca de 170 Km/h no final da reta. Num quarteirão, com mistos de esquerdas e direitas, todas elas em largas ruas de asfalto liso e plano, os karts voavam na tomada de tempo.
Tapumes de madeira eram usados para o fechamento da pista e para evitar os famosos “transeuntes suicidas”.
Na fotografia, Pompeo Caliceti. Nota-se as estruturas com tapume para evitar transeuntes.
Na tomada de tempo, um piloto andando muito forte começou a mudar seu traçado abrindo cada vez mais a tomada para um contorno melhor, sem saber de um bueiro que ali estava com degrau negativo.
Bem, numa destas tomadas ele entrou no bueiro que o alavancou para cima, jogando-o por sobre os tapumes na multidão aglomerada daquela curva.
O resultado foi catastrófico.
Kart a mais de 100 km/h decolando e girando como um pião, pesando mais de 190 quilos e caindo de 2 metros de altura, configurou na maior tristeza que já vi.
Estava nos box e escutei um estampido “choco”, foi quando virei e vi pessoas correndo, ouvi gritos, via desespero…não entendi e rapidamente fui chegando perto…e vi, infelizmente… um rapaz com a perna quebrada em “L” no chão e berrando, pessoas saindo ensanguentadas, outro segurando o braço que havia quebrado e lá no fundo, uma criança caída no chão.
Pois bem, naquele dia eu vi algo que nunca tinha visto numa corrida de kart: A morte na pista!
Vários feridos, pessoas machucadas e quebradas, multidão gritando e revoltando-se contra os pilotos e ali, uma criança de 4 anos morta no chão.
Infelizmente vi isto!
Me pergunto o que teria sido daquela criança que estaria hoje com 27 anos…poderia ser meu filho, sobrinho, ou qualquer outro conhecido.
Realmente, só quem viu acidentes deste tipo sabe o sentimento que vem à tona.
Fiquei muitos anos sem andar de kart, nunca deixei de amar o esporte e nunca deixarei de amá-lo, mas sempre penso e repenso muitas situações críticas.
Nos karts que restauro ou mesmo os que corri no passado, nunca deixei em segundo plano a questão de segurança: O cinto (quando tem), os pneus, rodas de boa qualidade, mancais de direção, freios, tudo deve ser verificado.
Outro detalhe de segurança define-se onde você anda: Na área de escape, na proteção de pneus, etc… Muitas vezes você pode precisar escapar de um acidente e acaba envolvendo-se em outro pela falta de opções que a pista lhe fornece.
Hoje passo meu tempo guiando karts vintage, outrora guiei karts que passavam dos 200 Km/h. No passado também fui vítima de capotagens, pancadas fortíssimas, acidentes onde quebrei várias costelas e tive várias luxações mas, considerava isso ossos do ofício e moedas pagas pelo desempenho.
Com minha idade avançando, não arrisco mais minha integridade física por décimos, aliás, fiquei muito mais lento que isso com o passar dos anos e claro, reconheço e aceito normalmente em minha vida.
Faz parte do jogo saber que a velocidade some com o passar dos anos, o que não faz parte é arriscar sua integridade e de outros para tentar provar o improvável, não é?
Tenha em mente SEMPRE o seu objetivo com o kart, pois ele também lhe trará definição para a segurança dentro da pista ou fora dela.